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Pe. Leomar Antonio Montagna |
O Concilio Ecumênico Vaticano II, que neste ano comemora o seu quinquagésimo aniversário, apresenta uma doutrina muito rica e fecunda a propósito do estudo da filosofia, ao qual se devem dedicar os candidatos ao sacerdócio. Afirma-se, num dos documentos conciliares: “As disciplinas filosóficas sejam ensinadas de forma que os alunos possam adquirir, antes de mais, um conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados num patrimônio filosófico perenemente válido, tendo em conta as investigações filosóficas dos tempos atuais”[1].
Em 1998, o papa João Paulo II, em sua Carta Encíclica Fides et Ratio, realça a importância do estudo da filosofia na formação presbiteral, afirmando: “Desejo insistir novamente que o estudo da filosofia reveste um caráter fundamental e indispensável na estrutura dos estudos teológicos e na formação dos candidatos ao sacerdócio... Senti a urgência de confirmar, por meio desta encíclica, o grande interesse que a Igreja tem pela filosofia; ou melhor, a ligação íntima do trabalho teológico com a investigação filosófica da verdade”[2]. Recentemente, o papa Bento XVI aprovou o Decreto de reforma dos estudos eclesiásticos de filosofia[3], neste documento, afirma-se como tema central a necessidade de aumentar os estudos dedicados à filosofia, não como uma extensão das ciências humanas, mas entendida no seu núcleo central: a busca da verdade, acompanhada por uma disciplina estrutural como a lógica[4], em um período histórico em que a razão é ameaçada pelo relativismo. Também pretende sublinhar o caráter sapiencial e metafísico da filosofia. O papel central da metafísica deve ser entendido, assim, à luz da importância da filosofia do conhecimento humano.
A importância da filosofia está diretamente ligada ao desejo humano de conhecer a verdade e organizá-la. A experiência mostra que o conhecimento da filosofia, em cooperação com outras disciplinas, ajuda a organizar melhor o estudo de qualquer ciência. A metafísica quer conhecer o conjunto da realidade - que culmina com o conhecimento da ‘Causa primeira' de tudo - e mostrar a inter-relação entre os vários campos do saber, evitando o encerramento de cada ciência em si. Portanto, o motivo básico da opção pela filosofia na formação presbiteral encontra-se na questão do Absoluto.
Vivemos num mundo que tenta eliminar o Absoluto e privilegiar o “aqui e agora”. Chama-se Relativismo, Fideísmo, Empirismo... Os critérios, que pretendem foros científicos, são empíricos. Constatam fatos, aqui e agora. A sociologia, a psicologia, e/ou a ideologia, parecem apresentar razões suficientes. Desaparecem os grandes princípios e as normas se fragilizam. Os próprios meios de comunicação, com uma enxurrada de informações, abafam a reflexão e levam de roldão a opinião pública. Quem pensa? Quem orienta? Quem é o sujeito nesta voragem? Parece que todos se tornaram objeto e massa de manobra!
Neste contexto, é preciso, em primeiro lugar, educar para a reflexão mais profunda. Orientar para a grande visão de conjunto que ponha cada coisa no seu devido lugar. Não que não haja mais valores no mundo de hoje. Mas eles estão anarquizados. E é exatamente esta anarquia que levou a perder a noção de hierarquia de valores e causa o sobressalto da cultura atual.
Para hierarquizar os valores, precisamos, em segundo lugar, ter pontos sólidos de referência. Não bastam marcos que evaporam como a água ou derretem como o gelo. Precisamos de um Absoluto. E se não o encontramos na metafísica, corremos o risco de absolutizar realidades transitivas e totalmente relativas. A filosofia deve dar-nos o referencial para critérios abalizados de julgamento.
Com a firmeza dos grandes princípios, temos, em consequência, condições de diálogo com a cultura contemporânea. Temos, primeiramente, identidade própria, que não se deixa engolir pela voragem, nem das notícias esparsas, nem das ideologias que selecionam e lhes dão o aval. Discutiremos com o mundo atual na base da razão, com argumentos que ele entende e com desafios que ele sente.
A filosofia, que habilita o formando à busca do Absoluto e lhe dá critérios para o julgamento da situação em que vive, tem também uma função indispensável para o estudo da teologia. Sem uma boa filosofia, ou seja, sem um senso crítico mais apurado, quase inevitavelmente se cai no fundamentalismo teológico.
Sem uma boa filosofia, não se faz teologia e, sem ambas, não se faz pastoral condizente. Não basta um testemunho ingênuo e sem conteúdo doutrinário. Uma fé sem doutrina bem esclarecida gera fanatismos, e uma doutrina sem fé é pura ideologia e não leva a nada, quando não gera fanatismos prejudiciais. Filosofia e teologia, razão e fé, respectivamente, são as duas asas que nos levam à verdade e a Deus.
Neste sentido, o curso de filosofia tem como finalidade investigar os problemas filosóficos e as questões fundamentais à luz das ciências e das culturas, manter uma atitude de abertura para com a Revelação Divina, contribuir e manifestar a coerência que deve reinar entre o reto conhecimento humano e a visão cristã do mundo, da pessoa humana e de Deus. A filosofia deve proporcionar aos seus estudantes uma sólida formação filosófica e preparar pessoas que conheçam a fundo o pensamento clássico e moderno, de maneira que possam desempenhar sua tarefa em diálogo com os diversos ambientes culturais, em espírito de colaboração com filósofos e teólogos. O papa João Paulo II nos diz em sua Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis: “um momento essencial da formação intelectual é o estudo da Filosofia que leva a uma compreensão e interpretação mais profunda da pessoa, da sua liberdade, das suas relações com o mundo e com Deus. Como poderá o futuro educador, presbítero ou formador de opinião prescindir de instrumento tão eficaz no processo de discernimento da verdade? E se não se está certo da verdade, como é possível pôr em jogo a própria vida inteira e ter força para interpelar, a sério, a vida dos outros”?[5]
O estudo do pensamento humano, em busca do sentido da vida e de todas as coisas, contribuirá para o grande diálogo humano e social. Quem estuda filosofia saberá dar as razões e ter critérios abalizados para o julgamento dos eventos e das ideias que se lançam aqui e ali. Não será como criança, que vai atrás de qualquer vento da doutrina e se deixa enganar por ideologias não suficientemente purificadas e solidificadas. No diálogo com a cultura, saberá aceitar o que é bom e recusar o que não serve. Terá critérios para julgar entre a “cultura da vida” e a “cultura da morte”; entre uma “cultura de liberdade” e uma “cultura de opressão”; entre acerto e erro; entre verdade e falsidade; entre boa vontade e má vontade... Numa palavra, não será mais ingênuo a ponto de ir atrás de qualquer proposta, ou se angustiar por qualquer problema. Pela grande visão, na globalização da verdade, da bondade e da unidade, saberá estabelecer sua hierarquia de valores e superar a anarquização que hoje elas, a verdade, a bondade e a unidade, sofrem.
Diante de tudo isso, é óbvio que a filosofia está em condições de proporcionar uma formação sólida e global. Não poderá, por isso, ser substituída por nenhuma ciência empírica. Seu objetivo primordial é ensinar a pensar e assimilar os grandes valores da unidade, da verdade e da bondade.
Finalizando este artigo, quero manifestar que o presbítero não precisa necessariamente ser um filósofo, mas deve ter a envergadura do pensamento crítico que o habilite a enfrentar os problemas e desafios de nosso tempo. Para isto, não basta a teologia. E esta, sem uma filosofia, pode levar a um pietismo e ao fundamentalismo. E mais ainda: sem uma boa filosofia, que habilite a dar razões das próprias posições, nossos padres podem tornar-se ditadores do sagrado, impondo, indiscriminadamente e sem diálogo, suas próprias ideias, mal formadas e pouco amadurecidas. “É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser”[6].
Pe. Leomar Antonio Montagna
Coordenador do Curso de Filosofia
PUCPR – Câmpus Maringá
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[1] Decreto sobre a formação sacerdotal, Optatam totius, 15.
[2] JOÃO PAULO II. Carta encíclica Fides et Ratio: sobre as relações entre fé e razão. São Paulo: Paulinas, 1998, parágrafos 62-63.
[3] http://www.presbiteros.com.br/site/sacerdotes-e-teologos-precisam-de-mais-metafisica/ - 22/03/11.
[4] Nosso mundo não gosta da lógica nem da coerência racional. Ele está submetido à comunicação, às imagens. Ora, o mundo das imagens, o mundo da mídia, é instantâneo e incoerente. É um mundo muito rápido e sem memória. Um mundo em que as opiniões são, ao mesmo tempo, extremamente móveis e extremamente frágeis. Sustentar firmemente uma lógica do pensamento é, portanto, muito difícil.
[5] Cf. PDV, 52.
[6] JOÃO PAULO II. Carta encíclica Fides et Ratio: sobre as relações entre fé e razão. São Paulo: Paulinas, 1998, Nº 48.