31 de outubro de 2012

O Salmo de São Matias

     Com o salmo 108 (109) completamos a série dos três salmos imprecatórios que não estão incluídos na “Liturgia das Horas”, livro oficial de orações da Igreja.
     Creio que ninguém dado este nome a este salmo. Talvez alguém tenha dito o Salmo de Judas Iscariotes, o traidor.
     Falando sobre estes dois Apóstolos, o livro Atos dos Apóstolos diz: “Judas era um dos nossos e compartilhava do nosso ministério. (...) Mas, está escrito no Livro dos Salmos: ‘Sua casa fique abandonada e não haja quem nela queira habitar!’ (Sl 68,26). E ainda ‘Que outro receba o seu cargo’ (Sl 108,8)” (At 1,17. 20).
Vigiai e orai, para que não fracasse!
     Se eu quisesse continuar a falar e desejar o mal, era melhor dar-lhe o nome de Salmo de Judas, de quem fala negativamente tanto os salmos como o Novo Testamento. Mas, como quero salientar o positivo, o intitulei Salmo de São Matias, porque, segundo a narração de Atos 1, 21-26, ele foi o escolhido por Deus e confirmado pelos Apóstolos para ocupar a vaga deixada por Judas.
     Apesar de imprecatório o salmo 108 apresenta aspectos bonitos que nos fazem lembrar o ensinamento de Jesus, que manda amar os inimigos. No livro ‘Os Salmos dos Cristãos’, rezamos assim: “Sem motivos, cheios de ódio, me atacam e ofendem. Em troca da amizade que lhes ofereço, eles me difamam. Mas continuo a rezar por eles. Enquanto procuro seu bem, eles me desejam o mal. Enquanto lhes ofereço amor, eles me odeiam” (3-5).
     Outro ponto bonito é o amor e a confiança em Deus: “Isto é o que pedem para mim, aqueles que me acusam e caluniam. Mas vós, Senhor Deus, me tratais bem por honra do vosso nome. E porque me amais me livrais em vossa bondade, pois sou pobre e necessitado e carrego um coração ferido. Ajudai-me, ó Senhor Deus! Salvai-me por vossa infinita misericórdia!”Eu vos louvarei, porque vos colocastes do lado dos pobres para livrá-los daqueles que tentavam condená-los” (20-22. 26. 31).
     Se lermos com atenção este salmo, veremos que boa parte dele retrata o ódio e a maldição contra Judas. É, portanto, um salmo profético que anunciava fatos que iriam acontecer na época dos Apóstolos, no início da Igreja fundada por Jesus. E, para nós, a figura de Judas é um mistério. Por que tinha que ser um dos Apóstolos a entregar o Mestre? Não poderia ser um fariseu ou um doutor da lei? No entanto Jesus falou: “Pois tem de se cumprir o que dizem as Sagradas Escrituras: Aquele que come à minha mesa se virou contra mim” (Jo 13,18). Jesus se referia ao salmo 40,10. Talvez isto tenha acontecido para que fiquemos alerta: Se hoje estamos firmes, saibamos que a qualquer momento podemos fracassar...
 
Umuarama, 29 de Outubro de 2012
 
Dom José Maria Maimone, SAC
1º Bispo da Diocese de Umuarama

30 de outubro de 2012




Precisamos de Santos sem véu ou batina.
Precisamos de Santos de calças jeans e tênis.
Precisamos de Santos que vão ao cinema,
ouvem música e passeiam com os amigos.

Precisamos de Santos que coloquem Deus em primeiro lugar,
mas que se “lascam” na faculdade.

Precisamos de Santos que tenham tempo todo dia para rezar
e que saibam namorar na pureza e castidade,
ou que consagrem sua castidade.

Precisamos de Santos modernos,
Santos do século XXI
com uma espiritualidade inserida em nosso tempo.

Precisamos de Santos comprometidos com os pobres
e as necessárias mudanças sociais.

Precisamos de Santos que vivam no mundo
se santifiquem no mundo,
que não tenham medo de viver no mundo.

Precisamos de Santos que bebam Coca-Cola
e comam hot-dog, que usem jeans,
que sejam internautas, que escutem disc-man.

Precisamos de Santos que amem a Eucaristia
e que não tenham vergonha de tomar um refrigerante
ou comer pizza no fim-de-semana com os amigos.

Precisamos de Santos que gostem de cinema,
de teatro, de música, de dança, de esporte.

Precisamos de Santos sociáveis,
abertos, normais, amigos, alegres,
companheiros.

Precisamos de Santos que estejam no mundo;
e saibam saborear as coisas puras e boas do mundo
mas que não sejam mundanos.

Beato João Paulo II

26 de outubro de 2012

Maria, Estrela da Manhã


Ó tu que compreendes que, no fluxo e refluxo deste mundo, flutuas entre ressacas e tempestades e não caminhas em terra firme, fixa os teus olhos sobre essa estrela, para não pereceres na tormenta. Se os ventos das tentações se desencadearem, se fores de encontro aos escolhos das tribulações, olha para a estrela, invoca Maria! Se te virdes sacudido pelas ondas do orgulho, da ambição, da maledicência, da inveja; olha para a estrela, invoca Maria! Se a cólera, a avareza, ou a cobiça assaltarem a frágil barquinha da tua alma, ergue os olhos para Maria! Se, acabrunhado pela enormidade das tuas faltas, confundido pelas hediondas chagas da tua consciência, horrorizado pelo pavor do juízo, começares a ser absorvido pelos abismos da tristeza e do desespero, pensa em Maria! Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria! Jamais saia Maria dos teus lábios; jamais fique Maria longe do teu coração; e, para obteres o bom despacho das tuas preces, não olvides o exemplo de sua vida. Seguindo-a, não te desviarás; invocando-a, não desesperarás; contemplando-a, não errarás. Por ela amparado, nunca cairás; sob a sua proteção, nada te causará temor; guiado por ela, nunca te cansarás; se ela te for propícia, chegarás, certamente, ao bom porto.
                                                                                        

São Bernardo de Claraval

22 de outubro de 2012

"Eu sou aquele que sou" (Ex 3, 14): As provas da existência de Deus




Indagar a existência de Deus e buscar provas para sua existência, ou mesmo para sua negação, é motivo de numerosas e incansáveis argumentações. Ao longo de toda a história o homem busca respostas para questionamentos que o interpelam e, sendo Deus a “causa” e o “centro” das problemáticas mais instigantes, recorre à fé e utiliza da racionalidade para compreender tais questionamentos e buscar respondê-los.
A Idade Média foi o período histórico em que esta problemática – filosófica e teológica – esteve mais presente nas discussões religioso-acadêmicas. Para a compreensão de uma abordagem de tamanha envergadura, Santo Anselmo de Aosta e São Tomás de Aquino partem de um mesmo princípio – Deus como ser absoluto e supremo –, mas percorrendo caminhos distintos para a demonstração da existência da supremacia ontológica de Deus, ou seja, Deus como Ser absoluto, superior e necessário.
Santo Anselmo fundamenta seu pensamento no postulado da fé, afirmando que é necessário crer para entender, pois “o intelectus recebe de fora, da fé, o que tem que compreender”[1]. As provas de existência de Deus que utiliza estão presentes em duas posições diferentes.
No Monologium apresenta quatro provas acerca da existência a posteriori de Deus, a saber: a primeira, relacionada à bondade das coisas, sendo que, se as coisas são boas, existe uma bondade absoluta; a segunda, constatada a partir da grandeza das coisas, que derivam da “suma grandeza”; a terceira, relacionada à existência dos seres, argumentando a necessidade de um Ser supremo, pois nada existe a partir do nada; e a quarta prova, derivada da constatação da perfeição dos seres, fruídas de uma perfeição primeira e absoluta[2].

Já no Proslogium busca uma prova baseada em uma substância necessária e em um modo de apreensão dado pela razão. Busca demonstrar, através do “argumento ontológico”, que não há nada maior do que Deus. Conclui, sinteticamente, que “há um ser realmente existente, em comparação ao qual não se pode pensar outro maior, e que existe de tal maneira que sua não existência não pode ser pensada sem contradição. Este ser é Deus”[3].
São Tomás de Aquino principia uma nova trajetória a fim de provar a existência de Deus. Diferentemente de Santo Anselmo, que utilizou a argumentação a priori, São Tomás “pretende fazer justiça ao caráter específico do homem; como ser sensitivo-corporal, este depende da experiência sensível para a aquisição de todo e qualquer saber. Inclusive o caminho que leva ao conhecimento e Deus deve passar pelas coisas sensíveis”[4].
A primeira via utilizada provém da física aristotélica – fato presente, quase que em totalidade, no pensamento tomista – ao afirmar que “tudo o que se move é movido por outra coisa; esse motor, por sua vez, ou é movido ou não é; se não é, temos o que buscamos: um primeiro motor imóvel, e a isto é ao que chamamos de Deus”[5]. Em suma, toda a realidade sensível, todas as coisas em movimento, devem sua existência e seu movimento a um primeiro “motor impulsionador”, o qual chama-se Deus.
A segunda prova relaciona-se ao argumento da primeira causa eficiente. Diz São Tomás que “nas coisas sensíveis observamos uma ordem de causas eficientes. Entretanto, não concebemos – por impossível – que uma coisa seja causa eficiente de si própria [...]. Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de Deus”[6].
A terceira elucidação da existência de Deus pauta-se no argumento do existente necessário, ou seja, na existência necessária de um ser per si, do qual origina-se todas as coisas, “pois o que não existe, só pode começar a existir por uma coisa já existente. [...] Por onde é forçoso admitir um ser necessário por si mesmo, não tendo de fora a sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros: e a tal ser, todos chamam Deus”[7].
A quarta prova pauta-se no argumento dos graus de perfeição do ser. Aqui, São Tomás procura provar a existência de Deus evidenciando os graus de perfeição de determinado ser, que tendem à referência a um ser que contém o máximo desse ser, maximamente bom em suas qualidades. Exemplifica dizendo que “o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos. Logo, há um ser que é causa do ser, da bondade e de toda e qualquer perfeição; e este ser chama-se Deus”[8].

Por fim, a quinta argumentação é tomada de São João Damasceno e de Averróis. São Tomás demonstra a necessidade de um ser governante supremo das coisas, “pois é impossível que coisas contrárias e discordantes concordem numa ordenação única, a não ser graças ao governo de um ser que atribua a todos e a cada um sua tendência até determinado fim. [...] Portanto, é preciso que haja um ser cuja providência governa o mundo. Esse ser é Deus”[9].


[1] BRÉHIER, Emile. Historia de la filosofia. Desde la Antigüedad hasta El siglo XVII. Madri: Editorial Tecnos, 1988. p. 452.
[2] ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia. Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 496.
[3] BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã. Tradução de Raimundo Vier. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 265
[4] Ibid., 1991. p. 453.
[5] BRÉHIER, op. cit., 1988. p. 536.
[6] BOEHNER; GILSON, op. cit., 1991. p. 454.
[7] Ibid., 1991. p. 455.
[8] Id.
[9] BRÉHIER, op. cit., 1988. p. 537.

21 de outubro de 2012

Faça em Mim

Como uma pedra tosca
em tuas mãos, ó Pai, coloco minha vida,
para ser modelada e esculpida
segundo o Teu plano de amor.
O teu Espírito Santo talhe em mim
a imagem de Jesus,
para que eu leve ao mundo
a esperança de dias repletos de luz.

FAÇA EM MIM,
A TUA VONTADE, SENHOR,
PARA QUE EU SEJA NO MUNDO
UM SINAL E FERMENTO TRANSFORMADOR.

Quero anunciar a certeza
de que sois um Pai bom e fiel,
e que Jesus veio ao mundo
para nos dar abundância de vida.
Que o Espírito Santo nos plenifica
com graças e dons,
e que ser santo e perfeito
é um direito de todo cristão.

Anunciarei com firmeza
que Tu desejas um mundo feliz,
pleno de amor e de paz, de direito
e justiça para todos iguais.
Que em jardim do Éden deve este
mundo se transformar.
E que um dia contigo na eternidade
iremos morar.

Mons. Wilson Galiani (1994)

17 de outubro de 2012

Deus é amor e verdade

     O salmo 82 (83) é uma confirmação total do antropologismo, isto é, o hagiógrafo, ou escritor, coloca profundamente em Deus os sentimentos e os defeitos dos humanos. O salmista não foi capaz de expressar em linguagem humana o que lhe foi inspirado por Deus.
     Conforme disse no artigo anterior, este é um dos salmos imprecatórios. Procurem lembrar ou reler o que foi dito no comentário ao salmo 57.
     O silêncio de Deus incomoda os egoístas. Na maioria das Bíblias o salmo 82 começa com uma irreverência contra Deus: “Ó Deus, não fiques aí silencioso e inerte, faça alguma coisa!”(2). Em seguida o salmista se confunde com Deus: “Pois teus inimigos, aqueles que te odeiam, se preparam para atacar o povo que tu proteges” (3-4). São inimigos de Deus ou dos israelitas?

     Pelo início do salmo podemos perceber que os israelitas agiam mal e se afastavam de Deus; mas quando a coisa apertava, como nesta circunstância de uma ameaça de guerra, eles não pediam a Deus para socorrê-los. Porém se lembravam que eram o povo da aliança, o povo de Deus, e pensavam que atacá-los seria a mesma coisa que atacar a Deus.
     Então eles iniciavam suas imprecações! As maldições manifestadas neste salmo são horríveis: “Sejam como folhas secas levadas pelo vento” (14); “Sejam queimados como os incêndios queimam as florestas” (15); “Um furacão os destrua” (16). Que eles morram na desgraça!” (18).
     No meio de todas essas maldições o salmista manifesta um bom sentimento: “Fazei que eles se sintam envergonhados e reconheçam o vosso poder, Senhor!” (17). Mas logo em seguida escorrega de novo: “Que sejam derrotados e envergonhados para sempre” (18).

Dom José Maria Maimone, SAC
      Procurando entrar no modo de agir de Deus e de Jesus, poderemos orar este salmo com as palavras do livro “Os Salmos dos Cristãos”: “Senhor Deus, ouvi esta prece, rompei vosso silêncio e vinde em nosso auxílio” (2). “Senhor, desorientai os povos que conspiram nossa derrota!” (14). “Que eles se envergonhem dos seus maus intentos, e reconheçam que vós sois o Deus todo poderoso. Que eles passem a respeitar e invocar o vosso nome santo” (17-18).
     Este salmo nos ensina que nunca podemos tomar as palavras ao pé da letra. Temos que aceitar que o salmista, ou o tradutor, se enganou, pois Deus jamais poderia ter tais sentimentos. Se Deus odiasse e fizesse o mal já não seria Deus. Ele não pode errar ou ser mau. Peçamos ao Senhor que nos ajude a crer que apesar dessas imprecisões a Bíblia continuará sempre a ser Palavra de Deus.

Umuarama, 15 de Outubro de 2012.
Dom José Maria Maimone, SAC

8 de outubro de 2012


“Eis que estarei convosco até o fim dos tempos”. Oh! Incomparável promessa que nos fizestes; vós a cumpris, até a consumação dos séculos, residindo em nossos sacrários no Santíssimo Sacramento do Altar. Assim o fazeis, pois desejastes permanecer junto aos homens para que possam deleitar-se das graças da Ressurreição.
Viestes ao mundo para cumprir a vontade do Pai. Concedei-nos, Dileto de nossas almas, a coragem dos mártires para entregar nossas vidas por vós; a sabedoria dos santos para compreendermos e cumprirmos vossa vontade; a humildade dos pequeninos, para vos agradar; firmeza e constância na fé, para não padecermos nas tribulações.
Somos fracos e pecadores. Somente por vossa graça poderemos nos unir à vossa santa vontade e não vos perder. Quantas são as vezes que vos perdemos, Jesus! Nossos corações estão endurecidos e nossos olhos encobertos, pois não anunciamos a Ressurreição.
O túmulo está vazio! Assim permanecem nossos corações, vazios, pois perderam-Lhe de vista! “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram” (Jo 20, 13). Ao pecarmos, choramos. Contudo, vós não nos abandonais. Enxugas nossas lágrimas, ama-nos com perfeição, distribuindo vosso amor e misericórdia. Por vosso auxílio divino, ao inclinarmos os olhos, ou seja, ao permanecermos no recolhimento, somos conduzidos até vós.
“Mulher, por que choras?” (Jo 20, 15). És a pergunta que fazes do Santíssimo Sacramento a todos que vos visitam. Vós desejais nos consolar, pois dissestes: “Vinde a mim todos os que trabalhais e vos achais carregados e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). Pela Cruz nos aliviastes do fardo do pecado e deste-nos a remissão de todas as faltas.
Inflamai, Divino Mestre, nossos corações para que desejem, ardentemente, encontrar-se convosco na Santíssima Eucaristia. Dai-nos a graça da oração, pois assim vens aos nossos corações. Santificai nossas vocações, para anunciar-vos; e como servos e discípulos, proclamar a Boa Nova e dizer, como Santa Maria Madalena, vossa serva muito amada, “Eu vi o Senhor”.
Oh! Soberana Rainha, Maria nossa Mãe, que fostes a primeira a contemplar a glória da Ressurreição, abris nossos olhos para tão insigne Verdade. Vós alcançais aos vossos filhos tudo o que pedis; alcançai-nos esta graça: de amar-vos muito e, assim, encontrarmos com vosso Divino Filho, que vive e reina na glória eterna. Amém.