Indagar a existência de Deus e
buscar provas para sua existência, ou mesmo para sua negação, é motivo de
numerosas e incansáveis argumentações. Ao longo de toda a história o homem
busca respostas para questionamentos que o interpelam e, sendo Deus a “causa” e
o “centro” das problemáticas mais instigantes, recorre à fé e utiliza da
racionalidade para compreender tais questionamentos e buscar respondê-los.
A Idade Média foi o período
histórico em que esta problemática – filosófica e teológica – esteve mais
presente nas discussões religioso-acadêmicas. Para a compreensão de uma
abordagem de tamanha envergadura, Santo Anselmo de Aosta e São Tomás de Aquino
partem de um mesmo princípio – Deus como ser absoluto e supremo –, mas
percorrendo caminhos distintos para a demonstração da existência da supremacia
ontológica de Deus, ou seja, Deus como Ser absoluto, superior e necessário.
Santo Anselmo fundamenta seu
pensamento no postulado da fé, afirmando que é necessário crer para entender,
pois “o intelectus recebe de fora, da
fé, o que tem que compreender”[1].
As provas de existência de Deus que utiliza estão presentes em duas posições
diferentes.
No Monologium apresenta quatro provas acerca da existência a posteriori de Deus, a saber: a
primeira, relacionada à bondade das coisas, sendo que, se as coisas são boas,
existe uma bondade absoluta; a segunda, constatada a partir da grandeza das
coisas, que derivam da “suma grandeza”; a terceira, relacionada à existência
dos seres, argumentando a necessidade de um Ser supremo, pois nada existe a
partir do nada; e a quarta prova, derivada da constatação da perfeição dos
seres, fruídas de uma perfeição primeira e absoluta[2].
Já no Proslogium busca uma prova baseada em uma substância necessária e
em um modo de apreensão dado pela razão. Busca demonstrar, através do
“argumento ontológico”, que não há nada maior do que Deus. Conclui, sinteticamente,
que “há um ser realmente existente, em comparação ao qual não se pode pensar
outro maior, e que existe de tal maneira que sua não existência não pode ser
pensada sem contradição. Este ser é Deus”[3].
São Tomás de Aquino principia
uma nova trajetória a fim de provar a existência de Deus. Diferentemente de
Santo Anselmo, que utilizou a argumentação a
priori, São Tomás “pretende fazer justiça ao caráter específico do homem;
como ser sensitivo-corporal, este depende da experiência sensível para a
aquisição de todo e qualquer saber. Inclusive o caminho que leva ao
conhecimento e Deus deve passar pelas coisas sensíveis”[4].
A primeira via utilizada provém
da física aristotélica – fato presente, quase que em totalidade, no pensamento
tomista – ao afirmar que “tudo o que se move é movido por outra coisa; esse
motor, por sua vez, ou é movido ou não é; se não é, temos o que buscamos: um
primeiro motor imóvel, e a isto é ao que chamamos de Deus”[5].
Em suma, toda a realidade sensível, todas as coisas em movimento, devem sua
existência e seu movimento a um primeiro “motor impulsionador”, o qual chama-se
Deus.
A segunda prova relaciona-se ao
argumento da primeira causa eficiente. Diz São Tomás que “nas coisas sensíveis
observamos uma ordem de causas eficientes. Entretanto, não concebemos – por
impossível – que uma coisa seja causa eficiente de si própria [...]. Logo, é
necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de
Deus”[6].
A terceira elucidação da
existência de Deus pauta-se no argumento do existente necessário, ou seja, na
existência necessária de um ser per si,
do qual origina-se todas as coisas, “pois o que não existe, só pode começar a
existir por uma coisa já existente. [...] Por onde é forçoso admitir um ser
necessário por si mesmo, não tendo de fora a sua necessidade, antes, sendo a
causa da necessidade dos outros: e a tal ser, todos chamam Deus”[7].
A quarta prova pauta-se no
argumento dos graus de perfeição do ser. Aqui, São Tomás procura provar a
existência de Deus evidenciando os graus de perfeição de determinado ser, que
tendem à referência a um ser que contém o máximo desse ser, maximamente bom em
suas qualidades. Exemplifica dizendo que “o fogo, maximamente cálido, é causa
de todos os cálidos. Logo, há um ser que é causa do ser, da bondade e de toda e
qualquer perfeição; e este ser chama-se Deus”[8].
Por fim, a quinta argumentação é
tomada de São João Damasceno e de Averróis. São Tomás demonstra a necessidade
de um ser governante supremo das coisas, “pois é impossível que coisas
contrárias e discordantes concordem numa ordenação única, a não ser graças ao
governo de um ser que atribua a todos e a cada um sua tendência até determinado
fim. [...] Portanto, é preciso que haja um ser cuja providência governa o
mundo. Esse ser é Deus”[9].
[1]
BRÉHIER, Emile. Historia de la filosofia.
Desde la Antigüedad hasta El siglo XVII. Madri: Editorial Tecnos, 1988. p. 452.
[2]
ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História
da Filosofia. Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 496.
[3]
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História
da filosofia cristã. Tradução de Raimundo Vier. 5. ed. Petrópolis: Vozes,
1991. p. 265
[4] Ibid., 1991. p. 453.
[5] BRÉHIER, op. cit., 1988. p. 536.
[6] BOEHNER; GILSON, op. cit., 1991. p. 454.
[7] Ibid., 1991. p. 455.
[8] Id.
[9] BRÉHIER, op. cit., 1988. p. 537.
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