22 de outubro de 2012

"Eu sou aquele que sou" (Ex 3, 14): As provas da existência de Deus




Indagar a existência de Deus e buscar provas para sua existência, ou mesmo para sua negação, é motivo de numerosas e incansáveis argumentações. Ao longo de toda a história o homem busca respostas para questionamentos que o interpelam e, sendo Deus a “causa” e o “centro” das problemáticas mais instigantes, recorre à fé e utiliza da racionalidade para compreender tais questionamentos e buscar respondê-los.
A Idade Média foi o período histórico em que esta problemática – filosófica e teológica – esteve mais presente nas discussões religioso-acadêmicas. Para a compreensão de uma abordagem de tamanha envergadura, Santo Anselmo de Aosta e São Tomás de Aquino partem de um mesmo princípio – Deus como ser absoluto e supremo –, mas percorrendo caminhos distintos para a demonstração da existência da supremacia ontológica de Deus, ou seja, Deus como Ser absoluto, superior e necessário.
Santo Anselmo fundamenta seu pensamento no postulado da fé, afirmando que é necessário crer para entender, pois “o intelectus recebe de fora, da fé, o que tem que compreender”[1]. As provas de existência de Deus que utiliza estão presentes em duas posições diferentes.
No Monologium apresenta quatro provas acerca da existência a posteriori de Deus, a saber: a primeira, relacionada à bondade das coisas, sendo que, se as coisas são boas, existe uma bondade absoluta; a segunda, constatada a partir da grandeza das coisas, que derivam da “suma grandeza”; a terceira, relacionada à existência dos seres, argumentando a necessidade de um Ser supremo, pois nada existe a partir do nada; e a quarta prova, derivada da constatação da perfeição dos seres, fruídas de uma perfeição primeira e absoluta[2].

Já no Proslogium busca uma prova baseada em uma substância necessária e em um modo de apreensão dado pela razão. Busca demonstrar, através do “argumento ontológico”, que não há nada maior do que Deus. Conclui, sinteticamente, que “há um ser realmente existente, em comparação ao qual não se pode pensar outro maior, e que existe de tal maneira que sua não existência não pode ser pensada sem contradição. Este ser é Deus”[3].
São Tomás de Aquino principia uma nova trajetória a fim de provar a existência de Deus. Diferentemente de Santo Anselmo, que utilizou a argumentação a priori, São Tomás “pretende fazer justiça ao caráter específico do homem; como ser sensitivo-corporal, este depende da experiência sensível para a aquisição de todo e qualquer saber. Inclusive o caminho que leva ao conhecimento e Deus deve passar pelas coisas sensíveis”[4].
A primeira via utilizada provém da física aristotélica – fato presente, quase que em totalidade, no pensamento tomista – ao afirmar que “tudo o que se move é movido por outra coisa; esse motor, por sua vez, ou é movido ou não é; se não é, temos o que buscamos: um primeiro motor imóvel, e a isto é ao que chamamos de Deus”[5]. Em suma, toda a realidade sensível, todas as coisas em movimento, devem sua existência e seu movimento a um primeiro “motor impulsionador”, o qual chama-se Deus.
A segunda prova relaciona-se ao argumento da primeira causa eficiente. Diz São Tomás que “nas coisas sensíveis observamos uma ordem de causas eficientes. Entretanto, não concebemos – por impossível – que uma coisa seja causa eficiente de si própria [...]. Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de Deus”[6].
A terceira elucidação da existência de Deus pauta-se no argumento do existente necessário, ou seja, na existência necessária de um ser per si, do qual origina-se todas as coisas, “pois o que não existe, só pode começar a existir por uma coisa já existente. [...] Por onde é forçoso admitir um ser necessário por si mesmo, não tendo de fora a sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros: e a tal ser, todos chamam Deus”[7].
A quarta prova pauta-se no argumento dos graus de perfeição do ser. Aqui, São Tomás procura provar a existência de Deus evidenciando os graus de perfeição de determinado ser, que tendem à referência a um ser que contém o máximo desse ser, maximamente bom em suas qualidades. Exemplifica dizendo que “o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos. Logo, há um ser que é causa do ser, da bondade e de toda e qualquer perfeição; e este ser chama-se Deus”[8].

Por fim, a quinta argumentação é tomada de São João Damasceno e de Averróis. São Tomás demonstra a necessidade de um ser governante supremo das coisas, “pois é impossível que coisas contrárias e discordantes concordem numa ordenação única, a não ser graças ao governo de um ser que atribua a todos e a cada um sua tendência até determinado fim. [...] Portanto, é preciso que haja um ser cuja providência governa o mundo. Esse ser é Deus”[9].


[1] BRÉHIER, Emile. Historia de la filosofia. Desde la Antigüedad hasta El siglo XVII. Madri: Editorial Tecnos, 1988. p. 452.
[2] ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia. Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 496.
[3] BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã. Tradução de Raimundo Vier. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 265
[4] Ibid., 1991. p. 453.
[5] BRÉHIER, op. cit., 1988. p. 536.
[6] BOEHNER; GILSON, op. cit., 1991. p. 454.
[7] Ibid., 1991. p. 455.
[8] Id.
[9] BRÉHIER, op. cit., 1988. p. 537.

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